27.7.2003

De volta aos Fundamentos

Autor: Luiz Paulo Conde
Data: 30/08/2002
Artigo publicado in Folha de São Paulo de 29 ago 2002 e Revista Construlista, Ano I, Nº 5.

A Arquitetura brasileira está em crise. Um sinal eloqüente dessa perda de rumo é a notícia de que a Bienal de Veneza, uma das mais importantes mostras internacionais de Arquitetura, que se realizará nos próximos meses, selecionou 120 projetos de arquitetos de todo o mundo segundo critérios de qualidade, inovação e representatividade do estado atual da Arte. Pois nenhum brasileiro entrou na lista. Apesar disto, lá estarão expostas quatro obras projetadas para o Brasil, todas assinadas por arquitetos estrangeiros. Para uma Arquitetura que nos anos 50 já foi uma das melhores do mundo, é lamentável.

Como consolo, poderemos mostrar alguma coisa na representação nacional, que ocupará o Pavilhão do Brasil, projetado por Mindlin em Veneza. Mas a Curadoria da mostra foi logo avisando: «como vocês não têm tecnologia para mostrar, é melhor trazer trabalhos em favelas ou algumas intervenções na área de meio ambiente». E assim foi feito, levaremos planos e projetos nessa linha, inclusive o Favela Bairro carioca. Que fazer então? Como podemos recuperar a dignidade da Arquitetura brasileira e o prestígio de que já desfrutou? Em primeiro lugar, fazendo uma profunda autocrítica e esta começa pelos fundamentos teóricos da nossa prática.

O Brasil é um país continental, com diversos micro-climas tropicais e temperados, vasta diversidade regional e muitas desigualdades. Não podemos fugir disso. Se tentarmos universalizar uma Arquitetura para o país, imitando os americanos, europeus e japoneses com seus edifícios high-high-tech, estaremos eternamente fritos. Não temos como competir nessa área e, quando tentamos, o resultado é ingênuo ou caricatural. Isso fica muito evidente na maneira como abordamos a questão do clima, da insolação, iluminação e ventilação das edificações e, até mesmo das nossas cidades.
O apagão do ano passado nos ensinou muita coisa. Sentimos na carne, por exemplo, que o problema da economia de energia e da sustentabilidade não é apenas uma questão acadêmica e teórica, mas cruelmente prática, atingindo cada um de nós e o cidadão comum no seu dia-a-dia. Será que depois desse mico vamos continuar fazendo edifícios com fachadas inteiras de vidro, refrescados por sistemas caríssimos de ar condicionado? Quem pode pagar essa conta?

O que nos alivia é ter certeza que sabemos como fazer diferente. A Arquitetura moderna brasileira se notabilizou no exterior, sobretudo entre os anos 40 e 60, trabalhando com brises, marquises, varandas e alpendres, cobogós e azulejos, venezianas e treliças, pés-direitos altos e telhados de barro, trabalhando o controle da luz e da ventilação. Esse modelo não caducou, nem poderia, porque os fundamentos que o embasaram continuam os mesmos.

Não precisamos macaquear ninguém nem «americanalhizar» nossa Arquitetura. E é nesse ponto que as Universidades precisam se conscientizar do seu papel e assumir a dianteira desse movimento de «retorno». Por paradoxal que pareça, às vezes é preciso recuar para possibilitar o avanço. Ao invés de ficarmos copiando os Deconstrutivismos e outros «ismos» da moda, que estudemos a obra de Lucio Costa, Niemeyer, Rino Levi, Milan, Jorge Moreira, os irmãos Roberto, Bolonha, Bratke pai, Severiano Porto e outros que sabiam tudo sobre o assunto.
E mais, nossa produção urbanística de qualidade está aí à espera de quem se disponha a pesquisá-la seriamente. Também na macro-escala, o domínio desses fundamentos é importante: traçar bairros e cidades em função da topografia, das vistas panorâmicas, das linhas de drenagem, protegendo sempre as reservas naturais e os mananciais, orientando-se conforme os ventos dominantes e considerando a insolação no dimensionamento de logradouros e fixação dos gabaritos.

O Urbanismo não pode cair em mãos de palpiteiros, de políticos inescrupulosos e de interesses exclusivamente comerciais. É ofício técnico que requer estudo e conhecimento. Bons exemplos não nos faltam: Goiânia, Maringá, Londrina, Campo Grande, Volta Redonda, Belo Horizonte e Brasília, entre outras produções autenticamente brasileiras, são exemplos de uma época em que sabíamos fazer cidades.

Esse é o caminho que pode nos levar de volta ao cenário internacional da Arte e da Cultura. Ou recuperamos nossa identidade, e desenvolvemos uma expressão autóctone, ou seremos meros figurantes do mundo globalizado. Neste ano em que o Prêmio Pritzker laureia o australiano Glenn Murcutt, e que comemoramos os centenários de Lucio Costa e Luis Barragán ?três arquitetos que levaram essas questões em grande consideração? , só nos resta retornar aos fundamentos da nossa disciplina.

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